Como seria um motor avançado movido só a álcool
12/07/2016
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Pudemos perceber a evolução dos motores ao longo da história. Temos carros a gasolina com taxa de compressão alta para este combustível que funcionam sem problemas. Chegamos aos carros flexíveis com taxa alta para gasolina e baixa para o etanol. Parece que todo o desenvolvimento foi focado no derivado do petróleo. 1) Por que o etanol na gasolina é anidro (seco) e o disponível para os consumidores é hidratado? É meramente uma questão de custo de produção? 2) Como seria um motor com toda a tecnologia disponível (turbo, injeção direta, etc.) feito para rodar somente com etanol? Teria uma autonomia muito superior? Imagino que essa taxa seria algo em torno de 15:1.
Lucio Flavio Motta de Souza – Belo Horizonte, MG
Para o álcool se tornar anidro (sem presença de água) há um alto custo e dificuldade de mantê-lo puro, uma vez que o álcool tem como propriedade absorver a umidade do ar. Esse é o principal motivo de não vermos álcool anidro nos postos de combustível. Sobre a segunda pergunta, como explicamos no artigo técnico sobre motores atuais e em consulta sobre detonação, um motor com taxa de compressão alta, ao usar combustível de baixa octanagem, tende a não trabalhar em avanço de ignição MBT (de melhor rendimento) e sim em BDL, condição limite para não ocorrer detonação. Ou seja, condição desfavorável para a gasolina em relação ao álcool.
Vale lembrar que a eletrônica e sua capacidade de controle, como avanço de ignição e variação do comando de válvulas, não foi a única responsável pelo desenvolvimento dos motores: toda a evolução na computação e nos modelos matemáticos fez com que engenheiros pudessem desenvolver motores cada vez mais refinados e eficientes.
Com as modernas simulações de fluxo de gases, trocas térmicas e esforços mecânicos, economiza-se muito tempo e dinheiro na hora do desenvolvimento. Afinal, pode-se analisar o efeito de diversas soluções sem nem mesmo construir um protótipo, além de visualizar com detalhes as regiões de turbulência e a distribuição de esforços, por exemplo. Ou seja, chegaram-se a taxas mais altas não só pelo controle de detonação, mas também pela melhor distribuição da energia dentro dos cilindros e pelo maior enchimento volumétrico em condições de plena carga.
Infelizmente não há mais motores dedicados ao álcool em carros de produção. Vários outros países usam o combustível, mas em menor proporção (E85, que tem 15% de gasolina para auxiliar a partida a frio) e da mesma forma que nós, ou seja, em motores flexíveis para poder também rodar com gasolina. Um motor dedicado ao álcool com certeza teria maior rendimento, desempenho superior e menor consumo de combustível. Quanto a torque e potência, haveria ganho apenas nos motores de aspiração natural: com turbocompressor podem-se aumentar torque e potência usando álcool, mantendo os níveis de temperatura dentro da câmara e nos gases de escapamento alcançados com gasolina.
Não se pode esquecer que há também limites mecânicos, sobretudo nos anéis dos pistões. Embora o álcool mantenha as temperaturas mais baixas, anéis e canaletas dos pistões podem suportar até certa pressão para não atingir seu limite de fadiga e quebrar. Para fins didáticos e considerando aço e não alumínio, digamos que certo aço tenha uma resistência à tração de 420 MPa: se o esforço for maior que esse valor, ele se romperá. Contudo, se o esforço for cíclico entre 70 e 420 Mpa, haverá o processo de fadiga e pode-se calcular quantos ciclos a peça durará em função da força aplicada. Abaixo de 70 MPa estima-se uma vida útil infinita. No caso do alumínio não existe um valor infinito, mas valores baixos de tensão resultam em números de ciclos tão altos que sua vida útil será muito maior que a da peça em si.
É por isso que, até certo ponto, motores aspirados podem receber turbocompressor em preparadoras e suportar por tempo razoável o aumento de pressão sem fadiga desses componentes. Digamos que um motor original suporte, na condição de torque máximo, um esforço de 200 MPa e que com turbo o esforço passe a 400 MPa. O motor pode aguentar, mas sua vida útil será muito menor, uma vez que o cálculo de fadiga não é linear. E caso a tensão supere 420 MPa, a quebra será instantânea.
Com certeza teríamos rendimento melhor se pudéssemos empregar toda a tecnologia disponível em um motor apenas a álcool. Contudo, haveria enorme gasto de tempo e dinheiro da engenharia para otimizar o motor para um combustível que outros países não usam e que ainda causa certas controvérsias. Muitos defendem a vantagem do álcool de diminuir a emissão de gás carbônico (CO2) no planeta, uma vez que a cana-de-açúcar usa CO2 para crescer, e alegam que com suas emissões de poluentes como HC e NOx são bem menores. Por outro lado, há quem pregue — como o falecido engenheiro e fabricante de veículos João Gurgel — que terras devam ser usadas para plantar comida e não combustível.
Texto: Felipe Hoffmann – Foto: divulgação
12/07/2016
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Pudemos perceber a evolução dos motores ao longo da história. Temos carros a gasolina com taxa de compressão alta para este combustível que funcionam sem problemas. Chegamos aos carros flexíveis com taxa alta para gasolina e baixa para o etanol. Parece que todo o desenvolvimento foi focado no derivado do petróleo. 1) Por que o etanol na gasolina é anidro (seco) e o disponível para os consumidores é hidratado? É meramente uma questão de custo de produção? 2) Como seria um motor com toda a tecnologia disponível (turbo, injeção direta, etc.) feito para rodar somente com etanol? Teria uma autonomia muito superior? Imagino que essa taxa seria algo em torno de 15:1.
Lucio Flavio Motta de Souza – Belo Horizonte, MG
Para o álcool se tornar anidro (sem presença de água) há um alto custo e dificuldade de mantê-lo puro, uma vez que o álcool tem como propriedade absorver a umidade do ar. Esse é o principal motivo de não vermos álcool anidro nos postos de combustível. Sobre a segunda pergunta, como explicamos no artigo técnico sobre motores atuais e em consulta sobre detonação, um motor com taxa de compressão alta, ao usar combustível de baixa octanagem, tende a não trabalhar em avanço de ignição MBT (de melhor rendimento) e sim em BDL, condição limite para não ocorrer detonação. Ou seja, condição desfavorável para a gasolina em relação ao álcool.
Vale lembrar que a eletrônica e sua capacidade de controle, como avanço de ignição e variação do comando de válvulas, não foi a única responsável pelo desenvolvimento dos motores: toda a evolução na computação e nos modelos matemáticos fez com que engenheiros pudessem desenvolver motores cada vez mais refinados e eficientes.
Um motor só a álcool teria maior rendimento, mas é preciso considerar seus limites de resistência, como o dos anéis dos pistões
Com as modernas simulações de fluxo de gases, trocas térmicas e esforços mecânicos, economiza-se muito tempo e dinheiro na hora do desenvolvimento. Afinal, pode-se analisar o efeito de diversas soluções sem nem mesmo construir um protótipo, além de visualizar com detalhes as regiões de turbulência e a distribuição de esforços, por exemplo. Ou seja, chegaram-se a taxas mais altas não só pelo controle de detonação, mas também pela melhor distribuição da energia dentro dos cilindros e pelo maior enchimento volumétrico em condições de plena carga.
Infelizmente não há mais motores dedicados ao álcool em carros de produção. Vários outros países usam o combustível, mas em menor proporção (E85, que tem 15% de gasolina para auxiliar a partida a frio) e da mesma forma que nós, ou seja, em motores flexíveis para poder também rodar com gasolina. Um motor dedicado ao álcool com certeza teria maior rendimento, desempenho superior e menor consumo de combustível. Quanto a torque e potência, haveria ganho apenas nos motores de aspiração natural: com turbocompressor podem-se aumentar torque e potência usando álcool, mantendo os níveis de temperatura dentro da câmara e nos gases de escapamento alcançados com gasolina.
Não se pode esquecer que há também limites mecânicos, sobretudo nos anéis dos pistões. Embora o álcool mantenha as temperaturas mais baixas, anéis e canaletas dos pistões podem suportar até certa pressão para não atingir seu limite de fadiga e quebrar. Para fins didáticos e considerando aço e não alumínio, digamos que certo aço tenha uma resistência à tração de 420 MPa: se o esforço for maior que esse valor, ele se romperá. Contudo, se o esforço for cíclico entre 70 e 420 Mpa, haverá o processo de fadiga e pode-se calcular quantos ciclos a peça durará em função da força aplicada. Abaixo de 70 MPa estima-se uma vida útil infinita. No caso do alumínio não existe um valor infinito, mas valores baixos de tensão resultam em números de ciclos tão altos que sua vida útil será muito maior que a da peça em si.
É por isso que, até certo ponto, motores aspirados podem receber turbocompressor em preparadoras e suportar por tempo razoável o aumento de pressão sem fadiga desses componentes. Digamos que um motor original suporte, na condição de torque máximo, um esforço de 200 MPa e que com turbo o esforço passe a 400 MPa. O motor pode aguentar, mas sua vida útil será muito menor, uma vez que o cálculo de fadiga não é linear. E caso a tensão supere 420 MPa, a quebra será instantânea.
Com certeza teríamos rendimento melhor se pudéssemos empregar toda a tecnologia disponível em um motor apenas a álcool. Contudo, haveria enorme gasto de tempo e dinheiro da engenharia para otimizar o motor para um combustível que outros países não usam e que ainda causa certas controvérsias. Muitos defendem a vantagem do álcool de diminuir a emissão de gás carbônico (CO2) no planeta, uma vez que a cana-de-açúcar usa CO2 para crescer, e alegam que com suas emissões de poluentes como HC e NOx são bem menores. Por outro lado, há quem pregue — como o falecido engenheiro e fabricante de veículos João Gurgel — que terras devam ser usadas para plantar comida e não combustível.
Texto: Felipe Hoffmann – Foto: divulgação