Novo regime automotivo emagrece expectativas
Quinta-Feira, 10 de Maio de 2012
Sem
atacar problemas estruturais, Brasil pratica uma estranha política
industrial com aumento de imposto. Mais estranho ainda: o empresariado
aplaude.
A divulgação do novo regime automotivo, batizado pelo
governo com o sugestivo nome de Inovar Auto, que entra em vigor a partir
de 2013, traz de fato uma inovação: institui política industrial para o
setor baseada no aumento de imposto – sim, porque foi
institucionalizada para os próximos cinco anos a elevação de 30 pontos
porcentuais sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de
todos os veículos vendidos no Brasil, sejam eles importados ou
fabricados aqui. Com isso, o governo piorou drasticamente (e
artificialmente) o ambiente de negócios para quem vende carros ou
caminhões no País, porque torna os produtos mais caros. Mas, em ato
contínuo, aponta o caminho para quem quiser se livrar da sobretaxação. É
como colocar um bode na sala da indústria e, imediatamente, indicar a
porta por onde ele pode ser retirado.
Basicamente, a “saída” do
IPI maior só poderá ser acessada por empresas que investirem em
engenharia, manufatura, tecnologia, inovação e compras de componentes no
Brasil. Ou seja, o governo exige investimentos sem ter mudado nada, sem
atacar nenhum dos muitos problemas estruturais que atrapalham o
desenvolvimento industrial nacional.
Todos esses problemas são
bastante conhecidos e constantemente apontados pelos ilustres
representantes da indústria: impostos elevados, custo de capital (juros)
muito alto, insumos mais caros do que em outros países, burocracia
excessiva, infraestrutura precária. Nada disso muda com o novo regime
automotivo. No entanto, por mais estranho que pareça, o governo foi
efusivamente aplaudido pelo empresariado do setor. “O plano é
brilhante”, adjetivou sem meias palavras Cledorvino Belini, presidente
da Anfavea, a associação dos fabricantes de veículos (Salvo engano, é a
primeira vez na história da civilização que algum setor empresarial
elogia aumento de impostos).
Se a acolhida do Inovar Auto foi tão
generosa por parte dos representantes dos fabricantes de veículos, no
governo, então, nem se fala... “Construímos um plano inovador, sem
paralelo no mundo, que assegura o desenvolvimento tecnológico do setor e
traz a indústria automotiva nacional para o século 21”, ufanou-se
Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, ao responder
apressadamente (ele é sempre assim com a imprensa) à pergunta deste
escriba sobre se o novo regime, sozinho, seria capaz de trazer avanço
tecnológico para um setor que, em comparação com outros países, está
atrasado.
TUDO CERTO, ENTÃO?Todo esse
discurso cria um cenário perigoso, montado sob a ilusão de ótica de que
todos os problemas foram resolvidos e, portanto, nada mais há para
resolver. Muito pelo contrário, o futuro preocupa bastante, pois ao
elevar substancialmente o IPI pelos próximos cinco anos (na prática,
aplicado apenas sobre produtos importados ou com baixo conteúdo local),
foi erguido para a indústria automotiva nacional um muro de proteção
contra a concorrência internacional, dando espaço para que o setor durma
em berço esplêndido, oferecendo ao consumidor o pior carro mais caro do
mundo, com preço alto e tecnologia baixa. Isso já aconteceu antes, até a
metade dos anos 1990, quando o mercado brasileiro era fechado aos
importados e a defasagem dos veículos produzidos aqui era medida em
décadas de atraso.
“Nunca fizemos melhor porque isso não era
necessário, o mercado não demandava isso.” Essa frase tumular foi dita a
este repórter em 1998 por Stefan Ketter, na época recém-chegado da
Audi, na Alemanha, para assumir a direção de qualidade da Volkswagen no
Brasil – hoje ele é vice-presidente de manufatura do Grupo Fiat. Assim
era a indústria automotiva no Brasil, não fazia nada melhor porque não
precisava, não havia concorrência.
Guardadas as devidas
proporções, o novo regime automotivo assegura, de novo, esse retrocesso
evolutivo. Isso porque as “exigências” do Inovar Auto, para escapar do
IPI gordo, já são plenamente atendidas pela maioria das montadoras
instaladas no Brasil. Não seria por outra razão que o empresariado já
instalado aqui aplaudiu as medidas governamentais: ganharam proteção
contra a concorrência dos importados pelos próximos cinco anos sem
precisar fazer nada a mais para isso – não precisam investir além do que
já investem em fábricas, tecnologia e produtos, não precisam adotar
processos industriais adicionais, nem precisam comprar muito mais
componentes do que já compram no País. Assim, fica tudo como está.
EXIGÊNCIAS CAMARADASO
governo se ufana de ter criado um programa de promoção à inovação. Por
isso, quem quiser fugir do IPI 30 pontos mais gordo, e ainda ganhar até
dois pontos extras de desconto no imposto, de 2013 em diante terá de
investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D) 0,15% do faturamento
bruto em 2013 e outro 0,5% em engenharia e tecnologia industrial,
porcentuais que passam para, respectivamente, 0,3% e 0,75% em 2014 e
0,5% e 1% de 2015 a 2017. Os valores são tão medíocres quanto as
inovações que serão capazes de trazer, justamente por isso ninguém
reclama – quem está estabelecido já investe esses valores ou até mais,
assim será fácil obter o desconto tributário.
A título de rápida
comparação, a Toyota investiu em P&D 3,9% das receitas em 2010, a
General Motors 5,1%, a Volkswagen 3,6% e a Honda 5,5%. Será que com
0,15% ou 0,5% dá para competir e esperar grandes avanços tecnológicos
com exigências tão camaradas?
Para a maioria dos consultores do
setor, a resposta é não. Do jeito que está posto, as montadoras podem
fingir que investem muito para desenvolver carros ao gosto do consumidor
emergente – eufemismo da moda no setor para denominar produtos de
qualidade inferior. Nesse sentido, podem até gastar dinheiro para criar
carros de baixo custo, desprovidos de tecnologia, e apresentar isso como
grande inovação.
Outro ponto importante é a ausência de
legislação de eficiência energética no Brasil. Mesmo no novo regime, a
adesão ao programa de etiquetagem veicular é opcional, e não
obrigatória, como deveria. Enquanto os maiores países produtores de
veículos avançam para conter emissões de gases de efeito estufa (CO2) e
aumentar a economia de combustível, aqui não há limites estabelecidos.
Com isso, usam-se no mercado brasileiro versões mais baratas de motores
similares, com grandes diferenças de resultado.
Por exemplo, o
motor Sigma 1.6 com bloco e cabeçote de alumínio produzido pela Ford em
Taubaté (SP), que equipa o New Fiesta, no Brasil emite 168 gramas de CO2
por quilômetro rodado quando abastecido com gasolina, ou 153,5 g/km com
etanol; e na Inglaterra o mesmo carro emite 133 g/km usando só
gasolina, porque o mesmo motor conta com injeção direta de combustível e
comando de válvulas de admissão variável. Sem a força da lei, ninguém
estará disposto a promover essa evolução, simplesmente porque os custos
aumentam e os lucros caem.
O Inovar Auto não ataca problemas
estruturais e de inovador só tem a fórmula para proteger uma indústria
cheia de ineficiências. Está mantida na indústria automotiva nacional a
combinação perversa de impostos altos, custos elevados e lucros que,
somados, colocam os preços dos veículos feitos aqui para além do
razoável pelo que é oferecido. Até agora o novo regime automotivo só
causou o emagrecimento das expectativas.
Pedro KutneyArtigo originalmente publicado no portal Automotive Business
www.automotivebusiness.com.br
FONTE: http://carsale.uol.com.br/blog/blog.asp?blog_id=191
COMENTÁRIOS: De novo, como quando da época do FHC, lá para 1.996, as montadoras garantiram nova proteção, novo incentivo ao "deixa estar", à acomodação por pela falta de competição por conta do artificialíssmo aumento de preços dos importados. Vamos pastar de novo.