Volkswagen procura a saída
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Seguindo o líder: David Powels, o sul-africano que assumiu o comando das operações no Brasil, pretende colocar as fábricas brasileiras entre as melhores das mais de 50 que a Volkswagen possui no mundo ( foto: Claudio Gatti)
Desde que chegou ao Brasil, em janeiro do ano passado, para assumir a posição de presidente da Volkswagen, o executivo sul-africano David Powels, de 54 anos, já emagreceu 11 quilos. Ele poderia ser personagem de capa de revistas de dieta, não fosse o fato de que planejava perder apenas quatro quilos. A explicação para isso pode estar em outro número. A montadora alemã vive um dos mais complicados períodos – se não for o pior deles – em suas seis décadas no País. Em 2015, a companhia vendeu 290 mil veículos, 180 mil a menos do que em 2014.
A queda de 38,4% fez com que a marca se tornasse líder no ranking de perdas entre as quatro maiores do mercado, à frente de Fiat, Ford e GM. Em 2016, os números têm sido ainda mais preocupantes para Powels, convocado para suceder o alemão Thomas Schmall, que voltou à sua terra natal. Em janeiro, as vendas ficaram 49,5% abaixo do mesmo mês de 2015, enquanto a média do mercado foi de retração de 36,4%. “A crise atual do Brasil é a pior que enfrentei na vida”, reconheceu Powels, em entrevista à DINHEIRO. “Temos de acertar a situação agora para garantir o nosso futuro.”
Talvez a intensidade da crise tenha surpreendido o executivo, mas Powels não pode ser considerado um novato no assunto. Como um dos homens de confiança do conselho de administração da Volkswagen, na sede em Wolfsburg, na Alemanha, ele lapidou sua reputação ao longo das últimas duas décadas por demonstrar habilidade e desenvoltura em mercados hostis. Powels foi vice-presidente de finanças da companhia alemã no Brasil entre 2002 e 2006. Quando colocou os pés na fábrica da Via Anchieta, em São Bernardo do Campo, o País sofria uma grave crise de confiança e desvalorização do real por conta da eleição do presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2007, a história se repetiu em sua volta à África do Sul, como diretor geral. Uma pesada desvalorização da moeda local, o rand, combinada com uma marca pouco estabelecida no país, tornou dura a sua missão. Mas ela foi completada com louvor. Ao fim de 2014, antes de desembarcar no Brasil, Powels entregou a marca na liderança do principal mercado do continente africano, com 23% de participação, e oito pontos percentuais à frente da grande rival Toyota, com a qual também disputa a ponta nas vendas mundiais de carros.
Em sua volta ao Brasil, para comandar as operações no terceiro maior mercado para a empresa no mundo, o executivo se estabeleceu em São Paulo com a esposa e suas duas filhas, para um período que deve durar entre quatro e cinco anos. Um período que promete ser desafiador. Num setor que registrou queda de 24% nas vendas de automóveis em 2015 – achatando o mercado de 2,8 milhões para 2,1 milhões de carros –, a Volkswagen foi especialmente afetada. O modelo popular Gol, carro campeão de vendas por 27 anos e que parecia uma perpétua garantia de bom negócio, caiu para a décima posição do ranking em janeiro deste ano.
Em 2015, foram comercializadas impressionantes 100,6 mil unidades a menos do carro. A liderança agora é do Chevrolet Onix. “Teremos de rever todos os nossos conceitos, internos e externos, para atravessar esta crise”, diz Powels (leia entrevista ao final da reportagem). Apesar de tropeçar em algumas palavras, o executivo é fluente no português e quebra a tradição da Volkswagen em apontar executivos germânicos para cuidar dos negócios no Brasil, que incluiu nas últimas décadas os nomes de Wolfgang Sauer, Thomas Schmall e Hans-Christian Maergner, que na sua passagem de três anos pelo Brasil pouco saiu dos cumprimentos na língua local.
Dono de uma franqueza desconcertante, também se diferencia do perfil padrão de executivo de topo da Volkswagen por não ter ascendido em áreas de produtos e com forte foco em engenharia. “Todas as montadoras têm bons carros. Os produtos e as fábricas sozinhas não vão diferenciar os negócios do futuro”, diz. “O diferencial será as pessoas, com a atitude, a motivação, a competência, a sua educação e os treinamentos que receberem.” O esforço da administração deve se voltar para esses temas.
Significa uma grande mudança de foco, que estava na ampliação de capacidade e vai para a busca de uma melhor capacitação dos funcionários. A Volkswagen, como foi comum no mercado brasileiro nos últimos anos, investiu bastante em aumento de produção e agora tem excesso de oferta. A empresa opera atualmente com 50% de sua capacidade, e Powels admite que há um excesso de 400 pessoas no seu corpo de quase 19 mil funcionários no País. Motivar e requalificar funcionários ao mesmo tempo em que corta o contingente promete ser um grande desafio. “Não é o nosso estilo jogar pessoas fora, e isso teria grande conflito com a estratégia de valorização dos funcionários”, afirma.
A empresa tem optado, em todas as suas fábricas, por programas de demissões voluntárias (PDV), suspensões temporárias de contratos de trabalho e programas de proteção do emprego (PPE), em que há redução de até 20% da remuneração. “A companhia quis demitir 500 pessoas no ano passado, na fábrica de Taubaté, que produz o Gol, o Up! e o Voyage, mas fechamos um PPE e houve suspensão do terceiro turno”, diz Hernani Lobato, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté. Com o seu currículo, Powels é considerado a pessoa certa pelo board alemão para liderar num período de ações como essas, e tem carta branca para fazer as coisas entrarem nos eixos.
A dificuldade é que a confiança depositada nele pode não ser traduzida em grande apoio financeiro da matriz, que também está longe de passar por um momento confortável. Os chefões da companhia em Wolfsburg enfrentam problemas tão sérios quanto os brasileiros, ou até maiores. O maior grupo industrial alemão, com faturamento de € 202 bilhões em 2014, o último resultado disponível, passa por uma das maiores crises de imagem de sua história, e que pode custar caro aos seus cofres. A companhia responde, desde o ano passado, a acusações de fraude em um software que registra o nível de emissões de gases em motores a diesel.
Cerca de 11 milhões de seus veículos em todo o mundo tiveram seus índices de poluição maquiados, algo que sujou a marca VW internacionalmente e que vai resultar em multas em diversos países. O todo-poderoso CEO global Martin Winterkorn pediu demissão e se desculpou publicamente. Em seu lugar assumiu Matthias Müller, vindo da Porsche. Nos Estados Unidos, a empresa pode ser obrigada a pagar uma multa estimada em US$ 1 bilhão, a maior cifra já aplicada a uma montadora. O valor, no entanto, pode chegar a US$ 90 bilhões, segundo a legislação americana, que prevê indenização de até US$ 37,5 mil por unidade vendida.
Os problemas vão muito além da Justiça dos Estados Unidos. Na Europa, enquanto o mercado cresceu 6% em janeiro, a empresa perdeu 4% em vendas. Com isso, o plano de assumir a liderança mundial em 2018, meta definida em 2007, está suspenso por tempo indeterminado. No Brasil, que não utiliza diesel em carros de passeio, o impacto é mais restrito. Apenas a picape Amarok traz o sistema fraudado, e os níveis máximos de emissão de poluentes permitidos pela legislação nacional são mais frouxos.
O principal impacto aqui tem sido o dano à reputação da marca diante dos consumidores e uma eventual dificuldade em atrair investimentos da matriz, se as multas aplicadas à empresa forem muito rigorosas. “Erramos e pedimos desculpas pelo erro”, disse Powels. “Acredito que os clientes brasileiros souberam entender, melhor do que os europeus e americanos, que foi algo pontual.” No entanto, o escândalo teve tanta repercussão na Alemanha que se comenta que pode contaminar a imagem de toda a indústria “made in Germany”, baseada na confiabilidade e engenharia de qualidade.
“O caso trará um grande abalo”, diz Arthur Bender, presidente da consultoria de marcas Key Jump. “O consumidor até entende quando acontece uma falha, mas não perdoa quando há dolo.” Também a governança da empresa, um exemplo de gestão industrial para a economia local, foi colocada em xeque. A Volkswagen é controlada por dois clãs familiares que, de tempos em tempos, entram em conflito, os Porsche e os Piëch, por sindicatos poderosos e pelo governo da Baixa Saxônia. Em tempos de paz, o modelo de gestão conhecido como de co-determinação, por dar voz aos trabalhadores e a diversos grupos nas discussões mais estratégicas, produz um ambiente harmônico.
Mas, em outros momentos, os embates aumentam e se espalham por toda a empresa. Internamente, poderosos engenheiros dão as ordens e têm a reputação de desprezarem tudo o que não tem a ver com o desempenho dos carros, incluindo as queixas dos ambientalistas. Eles também são responsáveis por formar novos engenheiros, que passam anos sendo preparados para cargos mais altos, o que dá uma forte unidade de pensamento dentro da organização, mas que dificulta para a empresa buscar soluções inovadoras. Isso tudo precisará mudar, inclusive, no Brasil. E Powels é um símbolo disso.
O PLANO DE REAÇÃO A estratégia de recuperação da empresa, definida pelo novo presidente, tem seis pontos principais. Um deles é uma autêntica reconstrução da marca. O slogan que enfatizava que a Volkswagen é uma empresa tipicamente germânica, o “Das Auto”, considerado “um pouco frio” por Powels, será substituído por um conceito tropicalizado “Volkswagen, inspirada na sua vida”. A empresa agora quer ser também reconhecida por um design mais arrojado. “Vamos mostrar que somos uma companhia do País, com produtos mais agressivos e mais próximos dos brasileiros”, diz o executivo.
Isso também envolve uma renovação bastante necessária do portfólio. Uma nova plataforma de produção deverá entrar em operação em suas três fábricas de carro – São Bernardo do Campo (SP), São José dos Pinhais (PR) e Taubaté (SP), além da de motores, em São Carlos (SP) – como parte do investimento de R$ 10 bilhões, definido para o País entre 2014 e 2018. Com isso, em até quatro anos, deverão chegar ao mercado, pelo menos, quatro produtos novos, que vão muito além da renovação do Gol, que terá uma versão reestilizada, a partir da segunda-feira 22.
“Os produtos estão defasados faz tempo e daqui a dois anos pode ser muito tarde para a renovação, pois ela já poderá ter perdido muita presença agora que o mercado tem muitos competidores fortes”, afirma o consultor especialista no setor Fernando Trujillo, da IHS Automotive. “A Volkswagen também não está posicionada no segmento de SUVs, que cresce no Brasil.” Segundo o argentino Jorge Portugal, que chegou em maio para assumir o cargo de vice-presidente de vendas e marketing da Volkswagen, trata-se apenas de um ciclo de produtos e a empresa deverá voltar a ganhar participação de mercado logo.
A renovação de veículos também poderá servir para Powels colocar em ação talvez o ponto mais importante de sua estratégia, o aumento da produtividade em suas operações. “Temos de melhorar a qualidade de produção”, afirma. “E, especialmente, preparar as pessoas e as fábricas para uma nova tecnologia que vem por aí.” O executivo afirma que a indústria automotiva perdeu muita competitividade desde que ele deixou o País. “Não usamos o período entre 2007 e 2012 para investir de forma correta”, diz. “Perdemos essa oportunidade.”
De fato, o setor vai precisar agora aprender a andar com as próprias pernas, já que não poderá contar mais com a ajuda do governo com isenções de IPI, apoio a concessão de crédito e outras benesses. “Esse é o problema do Brasil”, diz Trujillo. “Quando a indústria vai bem, não investe porque não precisa. E, na crise, diz que não tem dinheiro para se atualizar.” Se não for bem sucedida em sua atualização tecnológica, a montadora corre o risco de não conseguir exportar, já que os produtos locais ficarão muito defasados em relação aos carros internacionais.
E a exportação deve ser uma das saídas para a Volkswagen, assim como para o resto da indústria, se segurarem enquanto o mercado interno continua desaquecendo – a expectativa da Anfavea, a associação que representa as fabricantes de veículos, é de que o mercado registre apenas 2,3 milhões de carros vendidos neste ano, longe da capacidade de produção de 5,5 milhões. A favor das montadoras está a desvalorização do câmbio, que aumentou a competitividade nacional. No ano passado, as exportações da Volkswagen do Brasil cresceram 35% e a empresa tem o melhor índice do setor.
Um dos destinos importantes é o México, que prevê um crescimento de 8% em vendas de automóveis em 2016. Duas outras grandes preocupações da indústria nacional, e, especialmente, da Volkswagen, são a fragilidade das duas pontas de seu processo. A distribuição e a cadeia de suprimentos estão sofrendo muito com a crise. Dentre os fornecedores, a atualização tecnológica será ainda mais complexa do que nas montadoras, já que possuem menos capacidade de investimento e acesso a crédito. “Os fornecedores menores dependem fortemente de volume.
A situação para eles é pior do que das montadoras por 25% de seus custos serem de pessoal, contra 5% das automotivas”, diz Besaliel Botelho, presidente para a América Latina da alemã Bosch, a maior empresa de autopeças do Brasil. “Passamos 2015 apagando incêndios de fornecedores que já não podiam mais operar. Tivemos de socorrer alguns que quebravam e trocando quem faria o suprimento de ferramentas.” Na ponta das vendas para o consumidor, a situação não é melhor. Em 12 meses até janeiro deste ano, foram fechadas 627 concessionárias em todo o território nacional, o que eliminou 32 mil empregos.
Restaram 7,9 mil delas, que seguem com a corda no pescoço. “O investidor e o consumidor estão sem confiança”, afirma Alarico Assumpção Júnior, presidente da Fenabrave, a federação das distribuidoras de veículos. “Os bancos têm recusado 70% das propostas de compra de automóvel a crédito.” Esse cenário complica o plano de Powels de fazer a Volkswagen melhorar o relacionamento com os clientes por meio de sua rede de vendas. Com tantas dificuldades, será difícil estancar rapidamente a perda de vendas. E, com isso, também conseguir perder apenas os quilos que realmente planeja perder.
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“Perdemos a oportunidade de sermos mais produtivos quando as coisas estavam bem”
David Powels, presidente da Volkswagen, falou à DINHEIRO
DINHEIRO – Como avalia o momento atual da indústria automotiva brasileira?
Powels – Infelizmente, não aproveitamos o período positivo, entre 2007 e 2012, para aprimorar a produtividade da indústria, e por causa disso estamos sofrendo alguns riscos a mais. Perdemos a oportunidade de sermos mais produtivos quando as coisas estavam bem. E agora temos uma crise forte, em que o mercado tem uma queda de quase 50% do volume de vendas. Além disso, os fornecedores de autopeças estão muito fragilizados financeiramente.
As fábricas brasileiras da Volkswagen são menos produtivas que as do resto do mundo?
Elas estão na média global de nossas mais de 50 fábricas. Mas não estou satisfeito com isso. O meu objetivo é levá-las para o top dez, entre cinco e dez anos. As unidades de referência estão em Pamplona, na Espanha, e em Bratislava, a capital eslovaca.
Por que a Volkswagen, dentre as grandes montadoras, foi a que mais perdeu vendas no ano passado?
Se falarmos de um período curto, você terá essa percepção de que sofremos mais. Mas, entre 2007 e 2012, mais do que dobramos os negócios. A economia tem ciclos, assim como o setor. E as empresas muitas vezes enfrentam ciclos negativos. É assim também com os nossos produtos.
Como enfrentar esse momento complicado?
Não estamos no Brasil só para abastecer o mercado doméstico. Mas também para produzir para outros países da América do Sul e para o México. Em 2015, aumentamos as exportações em 35%. O Gol ainda tem um mercado forte em muitos países da região.
Pode haver uma diminuição dos preços dos carros?
A Volkswagen nunca vai ter o carro mais barato do mercado. O objetivo não é esse. O conceito é fazer o cliente pagar menos durante o ciclo de vida do produto, por meio de um custo de manutenção menor e um preço de revenda maior.
A empresa poderá passar pela crise atual sem recorrer a demissões em massa?
Temos atualmente um pouco menos do que 19 mil funcionários no Brasil e vamos ter de reduzir o contingente em cerca de 400 postos, se for possível. Mas esse número depende de como o mercado vai se comportar durante o ano. Vamos tentar resolver o nosso excesso de capacidade com plano de demissões voluntárias, programa de proteção ao emprego e afastamentos temporários. Não é o nosso estilo jogar as pessoas fora. Isso teria grande conflito com a nossa estratégia de valorização dos funcionários.
A fraude do sistema de emissão de poluentes afetou a credibilidade da empresa do Brasil?
Esse assunto é muito crítico para todos nós da Volkswagen. Às vezes, as companhias têm problemas e comentem erros. Erramos, pedimos desculpas mundialmente e o consumidor brasileiro entendeu. Não é bom que isso aconteça, mas vamos sobreviver a essa situação.
A montadora vive um dos períodos mais difíceis de sua história, com queda de vendas, crise de imagem e ameaça de multas bilionárias por fraudes ambientais. Dono de uma franqueza desconcertante, David Powels, novo CEO no Brasil, promete mudar tudo
19/02/2016 20:00
- // Por: Carlos Eduardo Valim e Hugo Cilo
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Seguindo o líder: David Powels, o sul-africano que assumiu o comando das operações no Brasil, pretende colocar as fábricas brasileiras entre as melhores das mais de 50 que a Volkswagen possui no mundo ( foto: Claudio Gatti)
Desde que chegou ao Brasil, em janeiro do ano passado, para assumir a posição de presidente da Volkswagen, o executivo sul-africano David Powels, de 54 anos, já emagreceu 11 quilos. Ele poderia ser personagem de capa de revistas de dieta, não fosse o fato de que planejava perder apenas quatro quilos. A explicação para isso pode estar em outro número. A montadora alemã vive um dos mais complicados períodos – se não for o pior deles – em suas seis décadas no País. Em 2015, a companhia vendeu 290 mil veículos, 180 mil a menos do que em 2014.
A queda de 38,4% fez com que a marca se tornasse líder no ranking de perdas entre as quatro maiores do mercado, à frente de Fiat, Ford e GM. Em 2016, os números têm sido ainda mais preocupantes para Powels, convocado para suceder o alemão Thomas Schmall, que voltou à sua terra natal. Em janeiro, as vendas ficaram 49,5% abaixo do mesmo mês de 2015, enquanto a média do mercado foi de retração de 36,4%. “A crise atual do Brasil é a pior que enfrentei na vida”, reconheceu Powels, em entrevista à DINHEIRO. “Temos de acertar a situação agora para garantir o nosso futuro.”
Talvez a intensidade da crise tenha surpreendido o executivo, mas Powels não pode ser considerado um novato no assunto. Como um dos homens de confiança do conselho de administração da Volkswagen, na sede em Wolfsburg, na Alemanha, ele lapidou sua reputação ao longo das últimas duas décadas por demonstrar habilidade e desenvoltura em mercados hostis. Powels foi vice-presidente de finanças da companhia alemã no Brasil entre 2002 e 2006. Quando colocou os pés na fábrica da Via Anchieta, em São Bernardo do Campo, o País sofria uma grave crise de confiança e desvalorização do real por conta da eleição do presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2007, a história se repetiu em sua volta à África do Sul, como diretor geral. Uma pesada desvalorização da moeda local, o rand, combinada com uma marca pouco estabelecida no país, tornou dura a sua missão. Mas ela foi completada com louvor. Ao fim de 2014, antes de desembarcar no Brasil, Powels entregou a marca na liderança do principal mercado do continente africano, com 23% de participação, e oito pontos percentuais à frente da grande rival Toyota, com a qual também disputa a ponta nas vendas mundiais de carros.
Em sua volta ao Brasil, para comandar as operações no terceiro maior mercado para a empresa no mundo, o executivo se estabeleceu em São Paulo com a esposa e suas duas filhas, para um período que deve durar entre quatro e cinco anos. Um período que promete ser desafiador. Num setor que registrou queda de 24% nas vendas de automóveis em 2015 – achatando o mercado de 2,8 milhões para 2,1 milhões de carros –, a Volkswagen foi especialmente afetada. O modelo popular Gol, carro campeão de vendas por 27 anos e que parecia uma perpétua garantia de bom negócio, caiu para a décima posição do ranking em janeiro deste ano.
Em 2015, foram comercializadas impressionantes 100,6 mil unidades a menos do carro. A liderança agora é do Chevrolet Onix. “Teremos de rever todos os nossos conceitos, internos e externos, para atravessar esta crise”, diz Powels (leia entrevista ao final da reportagem). Apesar de tropeçar em algumas palavras, o executivo é fluente no português e quebra a tradição da Volkswagen em apontar executivos germânicos para cuidar dos negócios no Brasil, que incluiu nas últimas décadas os nomes de Wolfgang Sauer, Thomas Schmall e Hans-Christian Maergner, que na sua passagem de três anos pelo Brasil pouco saiu dos cumprimentos na língua local.
Dono de uma franqueza desconcertante, também se diferencia do perfil padrão de executivo de topo da Volkswagen por não ter ascendido em áreas de produtos e com forte foco em engenharia. “Todas as montadoras têm bons carros. Os produtos e as fábricas sozinhas não vão diferenciar os negócios do futuro”, diz. “O diferencial será as pessoas, com a atitude, a motivação, a competência, a sua educação e os treinamentos que receberem.” O esforço da administração deve se voltar para esses temas.
Significa uma grande mudança de foco, que estava na ampliação de capacidade e vai para a busca de uma melhor capacitação dos funcionários. A Volkswagen, como foi comum no mercado brasileiro nos últimos anos, investiu bastante em aumento de produção e agora tem excesso de oferta. A empresa opera atualmente com 50% de sua capacidade, e Powels admite que há um excesso de 400 pessoas no seu corpo de quase 19 mil funcionários no País. Motivar e requalificar funcionários ao mesmo tempo em que corta o contingente promete ser um grande desafio. “Não é o nosso estilo jogar pessoas fora, e isso teria grande conflito com a estratégia de valorização dos funcionários”, afirma.
A empresa tem optado, em todas as suas fábricas, por programas de demissões voluntárias (PDV), suspensões temporárias de contratos de trabalho e programas de proteção do emprego (PPE), em que há redução de até 20% da remuneração. “A companhia quis demitir 500 pessoas no ano passado, na fábrica de Taubaté, que produz o Gol, o Up! e o Voyage, mas fechamos um PPE e houve suspensão do terceiro turno”, diz Hernani Lobato, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté. Com o seu currículo, Powels é considerado a pessoa certa pelo board alemão para liderar num período de ações como essas, e tem carta branca para fazer as coisas entrarem nos eixos.
A dificuldade é que a confiança depositada nele pode não ser traduzida em grande apoio financeiro da matriz, que também está longe de passar por um momento confortável. Os chefões da companhia em Wolfsburg enfrentam problemas tão sérios quanto os brasileiros, ou até maiores. O maior grupo industrial alemão, com faturamento de € 202 bilhões em 2014, o último resultado disponível, passa por uma das maiores crises de imagem de sua história, e que pode custar caro aos seus cofres. A companhia responde, desde o ano passado, a acusações de fraude em um software que registra o nível de emissões de gases em motores a diesel.
Cerca de 11 milhões de seus veículos em todo o mundo tiveram seus índices de poluição maquiados, algo que sujou a marca VW internacionalmente e que vai resultar em multas em diversos países. O todo-poderoso CEO global Martin Winterkorn pediu demissão e se desculpou publicamente. Em seu lugar assumiu Matthias Müller, vindo da Porsche. Nos Estados Unidos, a empresa pode ser obrigada a pagar uma multa estimada em US$ 1 bilhão, a maior cifra já aplicada a uma montadora. O valor, no entanto, pode chegar a US$ 90 bilhões, segundo a legislação americana, que prevê indenização de até US$ 37,5 mil por unidade vendida.
Os problemas vão muito além da Justiça dos Estados Unidos. Na Europa, enquanto o mercado cresceu 6% em janeiro, a empresa perdeu 4% em vendas. Com isso, o plano de assumir a liderança mundial em 2018, meta definida em 2007, está suspenso por tempo indeterminado. No Brasil, que não utiliza diesel em carros de passeio, o impacto é mais restrito. Apenas a picape Amarok traz o sistema fraudado, e os níveis máximos de emissão de poluentes permitidos pela legislação nacional são mais frouxos.
O principal impacto aqui tem sido o dano à reputação da marca diante dos consumidores e uma eventual dificuldade em atrair investimentos da matriz, se as multas aplicadas à empresa forem muito rigorosas. “Erramos e pedimos desculpas pelo erro”, disse Powels. “Acredito que os clientes brasileiros souberam entender, melhor do que os europeus e americanos, que foi algo pontual.” No entanto, o escândalo teve tanta repercussão na Alemanha que se comenta que pode contaminar a imagem de toda a indústria “made in Germany”, baseada na confiabilidade e engenharia de qualidade.
“O caso trará um grande abalo”, diz Arthur Bender, presidente da consultoria de marcas Key Jump. “O consumidor até entende quando acontece uma falha, mas não perdoa quando há dolo.” Também a governança da empresa, um exemplo de gestão industrial para a economia local, foi colocada em xeque. A Volkswagen é controlada por dois clãs familiares que, de tempos em tempos, entram em conflito, os Porsche e os Piëch, por sindicatos poderosos e pelo governo da Baixa Saxônia. Em tempos de paz, o modelo de gestão conhecido como de co-determinação, por dar voz aos trabalhadores e a diversos grupos nas discussões mais estratégicas, produz um ambiente harmônico.
Mas, em outros momentos, os embates aumentam e se espalham por toda a empresa. Internamente, poderosos engenheiros dão as ordens e têm a reputação de desprezarem tudo o que não tem a ver com o desempenho dos carros, incluindo as queixas dos ambientalistas. Eles também são responsáveis por formar novos engenheiros, que passam anos sendo preparados para cargos mais altos, o que dá uma forte unidade de pensamento dentro da organização, mas que dificulta para a empresa buscar soluções inovadoras. Isso tudo precisará mudar, inclusive, no Brasil. E Powels é um símbolo disso.
O PLANO DE REAÇÃO A estratégia de recuperação da empresa, definida pelo novo presidente, tem seis pontos principais. Um deles é uma autêntica reconstrução da marca. O slogan que enfatizava que a Volkswagen é uma empresa tipicamente germânica, o “Das Auto”, considerado “um pouco frio” por Powels, será substituído por um conceito tropicalizado “Volkswagen, inspirada na sua vida”. A empresa agora quer ser também reconhecida por um design mais arrojado. “Vamos mostrar que somos uma companhia do País, com produtos mais agressivos e mais próximos dos brasileiros”, diz o executivo.
Isso também envolve uma renovação bastante necessária do portfólio. Uma nova plataforma de produção deverá entrar em operação em suas três fábricas de carro – São Bernardo do Campo (SP), São José dos Pinhais (PR) e Taubaté (SP), além da de motores, em São Carlos (SP) – como parte do investimento de R$ 10 bilhões, definido para o País entre 2014 e 2018. Com isso, em até quatro anos, deverão chegar ao mercado, pelo menos, quatro produtos novos, que vão muito além da renovação do Gol, que terá uma versão reestilizada, a partir da segunda-feira 22.
“Os produtos estão defasados faz tempo e daqui a dois anos pode ser muito tarde para a renovação, pois ela já poderá ter perdido muita presença agora que o mercado tem muitos competidores fortes”, afirma o consultor especialista no setor Fernando Trujillo, da IHS Automotive. “A Volkswagen também não está posicionada no segmento de SUVs, que cresce no Brasil.” Segundo o argentino Jorge Portugal, que chegou em maio para assumir o cargo de vice-presidente de vendas e marketing da Volkswagen, trata-se apenas de um ciclo de produtos e a empresa deverá voltar a ganhar participação de mercado logo.
A renovação de veículos também poderá servir para Powels colocar em ação talvez o ponto mais importante de sua estratégia, o aumento da produtividade em suas operações. “Temos de melhorar a qualidade de produção”, afirma. “E, especialmente, preparar as pessoas e as fábricas para uma nova tecnologia que vem por aí.” O executivo afirma que a indústria automotiva perdeu muita competitividade desde que ele deixou o País. “Não usamos o período entre 2007 e 2012 para investir de forma correta”, diz. “Perdemos essa oportunidade.”
De fato, o setor vai precisar agora aprender a andar com as próprias pernas, já que não poderá contar mais com a ajuda do governo com isenções de IPI, apoio a concessão de crédito e outras benesses. “Esse é o problema do Brasil”, diz Trujillo. “Quando a indústria vai bem, não investe porque não precisa. E, na crise, diz que não tem dinheiro para se atualizar.” Se não for bem sucedida em sua atualização tecnológica, a montadora corre o risco de não conseguir exportar, já que os produtos locais ficarão muito defasados em relação aos carros internacionais.
E a exportação deve ser uma das saídas para a Volkswagen, assim como para o resto da indústria, se segurarem enquanto o mercado interno continua desaquecendo – a expectativa da Anfavea, a associação que representa as fabricantes de veículos, é de que o mercado registre apenas 2,3 milhões de carros vendidos neste ano, longe da capacidade de produção de 5,5 milhões. A favor das montadoras está a desvalorização do câmbio, que aumentou a competitividade nacional. No ano passado, as exportações da Volkswagen do Brasil cresceram 35% e a empresa tem o melhor índice do setor.
Um dos destinos importantes é o México, que prevê um crescimento de 8% em vendas de automóveis em 2016. Duas outras grandes preocupações da indústria nacional, e, especialmente, da Volkswagen, são a fragilidade das duas pontas de seu processo. A distribuição e a cadeia de suprimentos estão sofrendo muito com a crise. Dentre os fornecedores, a atualização tecnológica será ainda mais complexa do que nas montadoras, já que possuem menos capacidade de investimento e acesso a crédito. “Os fornecedores menores dependem fortemente de volume.
A situação para eles é pior do que das montadoras por 25% de seus custos serem de pessoal, contra 5% das automotivas”, diz Besaliel Botelho, presidente para a América Latina da alemã Bosch, a maior empresa de autopeças do Brasil. “Passamos 2015 apagando incêndios de fornecedores que já não podiam mais operar. Tivemos de socorrer alguns que quebravam e trocando quem faria o suprimento de ferramentas.” Na ponta das vendas para o consumidor, a situação não é melhor. Em 12 meses até janeiro deste ano, foram fechadas 627 concessionárias em todo o território nacional, o que eliminou 32 mil empregos.
Restaram 7,9 mil delas, que seguem com a corda no pescoço. “O investidor e o consumidor estão sem confiança”, afirma Alarico Assumpção Júnior, presidente da Fenabrave, a federação das distribuidoras de veículos. “Os bancos têm recusado 70% das propostas de compra de automóvel a crédito.” Esse cenário complica o plano de Powels de fazer a Volkswagen melhorar o relacionamento com os clientes por meio de sua rede de vendas. Com tantas dificuldades, será difícil estancar rapidamente a perda de vendas. E, com isso, também conseguir perder apenas os quilos que realmente planeja perder.
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“Perdemos a oportunidade de sermos mais produtivos quando as coisas estavam bem”
David Powels, presidente da Volkswagen, falou à DINHEIRO
DINHEIRO – Como avalia o momento atual da indústria automotiva brasileira?
Powels – Infelizmente, não aproveitamos o período positivo, entre 2007 e 2012, para aprimorar a produtividade da indústria, e por causa disso estamos sofrendo alguns riscos a mais. Perdemos a oportunidade de sermos mais produtivos quando as coisas estavam bem. E agora temos uma crise forte, em que o mercado tem uma queda de quase 50% do volume de vendas. Além disso, os fornecedores de autopeças estão muito fragilizados financeiramente.
As fábricas brasileiras da Volkswagen são menos produtivas que as do resto do mundo?
Elas estão na média global de nossas mais de 50 fábricas. Mas não estou satisfeito com isso. O meu objetivo é levá-las para o top dez, entre cinco e dez anos. As unidades de referência estão em Pamplona, na Espanha, e em Bratislava, a capital eslovaca.
Por que a Volkswagen, dentre as grandes montadoras, foi a que mais perdeu vendas no ano passado?
Se falarmos de um período curto, você terá essa percepção de que sofremos mais. Mas, entre 2007 e 2012, mais do que dobramos os negócios. A economia tem ciclos, assim como o setor. E as empresas muitas vezes enfrentam ciclos negativos. É assim também com os nossos produtos.
Como enfrentar esse momento complicado?
Não estamos no Brasil só para abastecer o mercado doméstico. Mas também para produzir para outros países da América do Sul e para o México. Em 2015, aumentamos as exportações em 35%. O Gol ainda tem um mercado forte em muitos países da região.
Pode haver uma diminuição dos preços dos carros?
A Volkswagen nunca vai ter o carro mais barato do mercado. O objetivo não é esse. O conceito é fazer o cliente pagar menos durante o ciclo de vida do produto, por meio de um custo de manutenção menor e um preço de revenda maior.
A empresa poderá passar pela crise atual sem recorrer a demissões em massa?
Temos atualmente um pouco menos do que 19 mil funcionários no Brasil e vamos ter de reduzir o contingente em cerca de 400 postos, se for possível. Mas esse número depende de como o mercado vai se comportar durante o ano. Vamos tentar resolver o nosso excesso de capacidade com plano de demissões voluntárias, programa de proteção ao emprego e afastamentos temporários. Não é o nosso estilo jogar as pessoas fora. Isso teria grande conflito com a nossa estratégia de valorização dos funcionários.
A fraude do sistema de emissão de poluentes afetou a credibilidade da empresa do Brasil?
Esse assunto é muito crítico para todos nós da Volkswagen. Às vezes, as companhias têm problemas e comentem erros. Erramos, pedimos desculpas mundialmente e o consumidor brasileiro entendeu. Não é bom que isso aconteça, mas vamos sobreviver a essa situação.