Nº edição: 826 | Capa | 09.AGO.13 - 21:15 | Atualizado em 11.08 - 17:10
A revolução planejada da Honda
A pequena Itirapina vive em torno de uma linha férrea, uma penitenciária e uma empresa de sofás. Saiba como a chegada da nova fábrica da Honda, transformará a cidade e toda a região considerada o novo ABC da indústria automobilística brasileira
Por Hugo CILO e Rafael FREIRE
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Assista à entrevista com o editor Hugo Cilo (à dir.) e o repórter Rafael Freire“Konnichiwa”, “arigatô”, “sayônara”, que em português significam olá, obrigado e até logo, são algumas das primeiras palavras do vocabulário japonês que parte dos 15 mil moradores da pacata Itirapina, localizada a 212 quilômetros da capital paulista, começou a aprender na semana passada. Isso porque, a partir de 2015, mais de dois mil novos moradores circularão pelas ruas da cidade, e cerca de 400 deles terão olhos puxados. Serão funcionários da nova fábrica de veículos da Honda, anunciada na quarta-feira 7, o maior empreendimento já visto nos 78 anos de história do município.
Masahiro Takedagawa, CEO da Honda América do Sul: sob seu comando,
a montadora irá dobrar, até 2015, a capacidade de produção
para 240 mil unidades por ano
A unidade receberá mais de R$ 1 bilhão em recursos – dez vezes mais do que os R$ 100 milhões desembolsados no ano passado pela gigante sucroalcooleira Cosan na construção de um porto seco, o maior investimento feito na cidade até então. Inicialmente, a fábrica da Honda montará um novo modelo compacto, que ainda é mantido em sigilo pela marca, e dobrará sua capacidade produtiva no País, dos atuais 120 mil carros para 240 mil unidades por ano. “A fábrica estabelece o início de um novo ciclo na história da Honda no País”, disse à DINHEIRO o CEO da montadora na América do Sul, Masahiro Takedagawa. “Nossa confiança no mercado brasileiro não poderia ser maior.” Não é para menos.
Com a nova fábrica, a segunda de automóveis da Honda, a participação de mercado da marca deverá subir de 3,8% para mais de 5%, deixando para trás a rival Toyota, hoje com 4,7% das vendas. A confiança e a empolgação do CEO da Honda, que também comanda o negócio de motocicletas da companhia no País (veja entrevista ao final da reportagem), refletem a euforia dos habitantes itirapinenses. Desde quando surgiram os primeiros rumores, alguns meses atrás, de que a cidadezinha entraria para o mapa da indústria automobilística brasileira, Itirapina vive uma autêntica revolução econômica. O município passa a compor, com papel protagonista, uma região considerada o novo ABC da indústria automobilística nacional.
Em um raio de 200 quilômetros de Itirapina já estão instaladas fábricas das marcas Hyundai, Volkswagen, Toyota e a outra unidade da própria Honda, em Sumaré (veja quadro abaixo). “Nossa região é a nova Califórnia brasileira”, afirma o prefeito da cidade, José Maria Cândido, comparando sua cidade ao Vale do Silício nos Estados Unidos, onde estão as maiores companhias de tecnologia do mundo. O mais apropriado seria referir-se a Detroit, o berço da indústria automobilística americana, mas hoje a cidade, antiga meca da indústria automobilística mundial, vive uma decadência sem precedentes. A analogia com a Califórnia, embora seja exagerada, exemplifica a importância da Honda para o futuro do município.
O prefeito estima que a arrecadação com repasse de ICMS passará de R$ 10 milhões para R$ 50 milhões até 2020.
A estratégica posição geográfica e a infraestrutura de logística foram decisivas na escolha de Itirapina como sede da nova fábrica. A cidade é cercada pelas rodovias Washington Luiz e Engenheiro Nilo Romano, além de ferrovias operadas pela ALL. “Estar mais próximos de fornecedores e ter acesso rápido à capital paulista, o maior mercado consumidor do País, são fundamentais para ter sucesso e agilidade em nosso negócio”, diz Takedagawa. A proximidade com o Porto de Santos também pesou a favor da cidade paulista. A fábrica poderá abastecer outros mercados da América do Sul, como Argentina e Chile.
“O Brasil é peça-chave nos planos mundiais da Honda e base para toda nossa estratégia no continente”, afirmou o presidente mundial da Honda, Takonobu Ito. A escolha de Itirapina é, de fato, o pilar do plano de negócios da Honda no Brasil. A nova unidade ficará a menos de 50 quilômetros de Rio Claro e São Carlos, cidades que são referência nacional na formação de engenheiros, com universidades federais e estaduais. Até mesmo Itirapina poderá se tornar um polo de geração de conhecimento. O prefeito da cidade solicitou ao governo do Estado, horas depois da confirmação da fábrica na cidade, a implantação de uma Escola Técnica Estadual (Etec), além da instalação de uma unidade do Senai.
“Não podemos perder a oportunidade de desenvolvimento profissional, porque se não tivermos mão de obra específica a Honda buscará em outro lugar”, diz o prefeito itirapinense. A julgar pelos planos da Honda no mercado brasileiro, não faltarão oportunidades de negócios e empregos no interior paulista. Graças a essa nova ofensiva bilionária, a montadora fará sua estreia no segmento dos populares compactos, que representou 72% das vendas no País no ano passado, segundo a associação nacional das concessionárias, a Fenabrave. Outra estratégia nos planos da marca japonesa no País será o lançamento de um SUV compacto, segmento dominado pelo Renault Duster, com 46,9 mil unidades vendidas em 2012, e pelo Ford EcoSport, com 38,2 mil.
“A Honda enxergou tarde, mas a tempo de se recuperar, que os segmentos de maior potencial no Brasil não estão nos carros premium”, afirma o americano Bill Russo, presidente da consultoria Synergistics. “Com a boa reputação da marca, não será difícil desbancar as concorrentes.” No quesito reputação, a Honda é quase imbatível no mercado nacional, junto com outras asiáticas. O estudo Vehicle Ownership Satisfaction Study 2013, realizado pela consultoria J.D. Power com mais de oito mil consumidores brasileiros, divulgado na quarta-feira 7, mostrou que a marca só perde para a Toyota no ranking de satisfação de seus clientes. Em seguida aparecem Hyundai, Nissan e Kia.
“A boa imagem junto a seus consumidores fez a Toyota e a Honda serem as últimas a entrar no mercado de compactos e esperar ao máximo para anunciar novas unidades de produção”, diz Wim van Acker, consultor para o mercado automobilístico da americana The Hunter Group. A Honda foi, realmente, a última grande montadora brasileira a expandir a sua capacidade produtiva com a construção de uma nova fábrica. Nos últimos dois anos, a Hyundai inaugurou uma unidade em Piracicaba, no interior paulista, assim como a Toyota fez em Sorocaba, a 87 quilômetros da capital. A japonesa Nissan e a chinesa Chery já estão construindo suas fábricas em Rezende, no Rio de Janeiro, e na cidade paulista de Jacareí, respectivamente.
“As montadoras globais estão encontrando no mercado brasileiro grandes oportunidades de investimento e uma alternativa para equilibrar seus negócios diante dos desafios nas economias europeias”, diz a britânica Ken Elias, especialista em mercado automobilístico, sócia da consultoria Maryann Keller & Associates, com sede em Londres. “É um novo momento para as montadoras e uma fase única para os municípios que recebem esses grandes investimentos.” Além das inegáveis oportunidades de negócios com a crescente demanda interna,
as montadoras têm se sentido pressionadas a investir no País após o anúncio do Inovar-Auto, regime automotivo elaborado pelo governo federal que oferece incentivos tributários para quem investir na nacionalização e no desenvolvimento de carros mais eficientes.Novo Honda: o modelo Brio, vendido na Índia, poderá ser fabricado no Brasil
Desde janeiro deste ano, o programa garantiu R$ 6,8 bilhões em planos de investimentos das multinacionais do setor, como Mitsubishi, BMW, JAC, Nissan, Hyundai, DAF-Caminhões e a Metro-Schacman, além do R$ 1 bilhão da Honda. “O novo investimento da Honda no Brasil demonstra a confiança da empresa no País e confirma que o Inovar-Auto é uma política com resultados concretos, que está alcançando o objetivo de atrair investimentos e fortalecer a indústria”, disse o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, na quinta-feira 8. Indiscutivelmente, a nova fábrica da Honda representa um momento-chave para a história do setor e de Itirapina.
O município paulista vive basicamente da renda dos aposentados da Ferrovia Paulista S.A., a antiga Fepasa, estatal ferroviária que operava os trens que ainda cruzam a cidade 22 vezes ao dia – hoje controlados pela ALL. Outra fonte de renda é a penitenciária Dr. Antônio de Queiroz Filho, que abriga cerca de dois mil presos, e uma fábrica de sofá que emprega 800 pessoas, além do porto seco da Cosan. Mas a era do dinheiro escasso parece ser apenas uma imagem no retrovisor, especialmente para pequenos comerciantes itirapinenses. "Recebi nas últimas semanas umas 20 pessoas interessadas em investir na cidade em função da nova fábrica da Honda”, diz Alcides Travensole, dono da imobiliária Travensole, que vendia dois imóveis por ano até o anúncio da Honda.
“Itirapina parou no tempo, agora é a oportunidade de voltarmos a crescer.” Até 2001, os trens que cortam o centro da cidade transportavam passageiros. A estação local, hoje abandonada, era uma das mais movimentadas do Estado e dinamizava a economia da cidade. O desembarque da montadora deverá dar uma injeção de ânimo nos 150 pontos de comércio, que perderam essa clientela flutuante. Com a criação de empregos, estima-se também que a população dobre para 30 mil habitantes nos próximos dez anos, com a chegada de empresas fornecedoras de peças e de prestação de serviços, que vêm a reboque das montadoras. “O comércio deverá se preparar para o aumento da demanda, mas também da concorrência”, afirma Mario Luiz Mroczinski, presidente da Associação Comercial de Itirapina.
José Maria Cândido, prefeito de Itirapina, comparando a cidadeao Vale do Silício, nos Estados Unidos: "Nossa região
é a nova Califórnia brasileira"
Ele mesmo está repensando sua carreira de empreendedor. Até 12 anos atrás, Mroczinski era dono da Maditec, que faturava R$ 10 milhões vendendo embalagens de madeira para a Ford, para a Volkswagen e diversas empresas de autopeças. A companhia faliu em 2003, por conta da crise financeira que abalou a Argentina no início dos anos 2000, e que afetou as exportações para o país vizinho. “Com a chegada da Honda penso em voltar à linha de produção”, diz Mroczinski. A nova fábrica, dois anos antes da inauguração, já tem produzido planos entre as empresas itirapinenses. É o caso da pousada e pesqueiro Paraíso das Águas, que é uma das únicas opções de hospedagem na cidade.
Hoje, sua clientela é formada por pessoas que visitam a cidade a trabalho, por familiares de presos da penitenciária e por turistas que trocam os preços salgados dos hotéis da vizinha Brotas pela estadia tranquila e mais acessível em Itirapina. Com isso, sua taxa de ocupação média é de 50 pessoas por dia, um terço de sua capacidade máxima. Segundo o proprietário Ariovaldo Salles Júnior, há um terreno disponível para ser usado para a construção de novos quartos, se a nova demanda se confirmar. “Temos de estar prontos para crescer com a cidade.” Outro comerciante que avalia novos negócios para acompanhar a tão aguardada enxurrada de novos consumidores é Auris Paulo Bergamini, dono do restaurante La Pequetita.
O empresário atende no próprio estabelecimento e também fornece marmitas para as principais empresas do município. No total são cerca de 300 refeições servidas diariamente. Em seu cardápio não há nenhum peixe cru ou qualquer opção da culinária japonesa. Não existe, aliás, nada da cultura oriental na cidade. Mas Bergamini planeja adicionar a gastronomia japonesa a seu menu ou até montar um segundo restaurante dedicado à culinária oriental. “Não entendo de comida japonesa, mas estou disposto a aprender se isso for uma boa oportunidade de negócio”, diz Bergamini.
“A flexibilidade é o segredo do nosso negócio”DINHEIRO: A Honda é a última, entre as grandes montadoras do País, a anunciar a ampliação da capacidade produtiva com uma nova fábrica. Por que demorou tanto?MASAHIRO TAKEDAGAWA: O projeto de construção de uma nova fábrica precisa ser justificado. Nós desenhamos uma estratégia específica para o mercado brasileiro, na qual a nova fábrica é parte fundamental desse processo, mas não é a única. Com a nova unidade, que receberá investimentos de mais de R$ 1 bilhão, dobraremos nossa capacidade no País, passando dos atuais 120 mil para 240 mil carros. Além da fábrica, estamos reformulando a estrutura operacional da Honda no Brasil. Nosso escritório central, que hoje fica no bairro do Morumbi, em São Paulo, está sendo transferido para uma área na fábrica de Sumaré, no interior do Estado. Com isso, aproximamos nossos 500 funcionários dos departamentos administrativos das linhas de produção. A ideia é poder desenvolver produtos mais competitivos, projetados por engenheiros brasileiros para os consumidores brasileiros.
DINHEIRO: De onde virão os recursos para a nova fábrica?TAKEDAGAWA: Daqui (o executivo bateu no peito, indicando o bolso da camisa). A Honda está há mais de 40 anos no Brasil e tem caixa próprio para fazer todos os investimentos que forem necessários. A operação brasileira tem muitas reservas, garanto. Não precisaremos do apoio nem da matriz nem dos bancos. A política da Honda é reinvestir os lucros das operações nos mercados em que o dinheiro foi gerado. É o que estamos fazendo.
DINHEIRO: A Honda ainda oferece poucos modelos no mercado brasileiro, em comparação aos concorrentes. Isso irá mudar?TAKEDAGAWA: Atualmente, fabricamos três modelos no Brasil: o Civic, o City e o Fit. Dentro de 18 meses, teremos o novo City, um novo Fit e um modelo inédito de SUV. Entrar no mercado de compactos populares é um grande desafio. A estratégia agora é ganhar mercado, sim, mas não com volume. Queremos conquistar mais consumidores, com mais qualidade. A prioridade da Honda é ampliar o “mind share”, não o market share. Queremos fortalecer nossa marca na mente dos consumidores. As vendas serão uma consequência.
DINHEIRO: Mas por que a participação de mercado ainda é tão tímida, de apenas 3,8%?TAKEDAGAWA: Porque ter volume não é uma preocupação da Honda. Os três modelos que produzimos no Brasil são líderes absolutos em seus segmentos. O Fit é líder na categoria monovolume. O City lidera entre sedãs compactos. E o Civic lidera entre sedãs médios. No segmento de SUVs, só não lideramos mais com a CRV porque, com a definição de cotas para a importação de carros fabricados no México, não conseguimos mais vender o número desejado. Mas, até dois anos atrás, antes das cotas, liderávamos também com a CRV.
DINHEIRO: Existe a intenção de produzir a CRV no Brasil?TAKEDAGAWA: Não, por enquanto a intenção é ter um SUV compacto, mais barato que a CRV. Queremos e vamos liderar nesse segmento (em que estão Ford Ecosport e Renault Duster) também.
DINHEIRO: O cenário macroeconômico do Brasil piorou nos últimos meses. Isso não afeta os planos da companhia?TAKEDAGAWA: Estamos confiantes no mercado doméstico. Ninguém discorda do potencial de longo prazo do Brasil. Estamos olhando para o País para os próximos 50 anos. A economia brasileira, como todas as economias, sobe e desce em ciclos de alguns anos. A vantagem do modelo de operação da Honda no Brasil é a flexibilidade da produção. Se nós decidirmos deixar de produzir um determinado modelo e começar a produzir outro, por demanda de mercado, podemos fazer isso com rapidez. Nosso modelo de produção é versátil. A flexibilidade é o segredo do nosso negócio.
DINHEIRO: Por que a Honda escolheu Itirapina para construir a nova fábrica?TAKEDAGAWA: A principal razão é a estrutura logística. A cidade é localizada em um entroncamento de duas importantes rodovias. E também porque fica a 100 quilômetros, cerca de 40 minutos de carro, da nossa fábrica de Sumaré. A região já abriga muitas outras fábricas de automóveis e possui fornecedores de peças e equipamentos que darão suporte à nossa produção.
DINHEIRO: A desaceleração da economia ainda nãoafetou a empresa?TAKEDAGAWA: Sim, afetou. Principalmente nos últimos dois anos. Mas o impacto maior foi no segmento de motocicletas. O crédito para financiamento de motos novas ficou mais restrito e as vendas caíram. Ainda estamos enfrentando esses problemas hoje e a dificuldade é proporcionalmente maior quando se tem mais de 80% de participação de mercado. Mas, como já disse, será algo temporário.
FONTE REVISTA ISTO É DINHEIRO DESTA SEMANA.