ENTREVISTAMOS O BRASILEIRO QUE CRIOU O PROJECT 7 DA JAGUAR
Conhecido por ter desenhado o roadster purista, designer promete um futuro brilhante
por REDAÇÃO AUTOESPORTE
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23/05/2015 06h32
César Pieri, designer da Jaguar (Foto: Divulgação)César Pieri, designer da Jaguar (Foto: Divulgação)
Em um bate-papo informal durante um almoço, o designer da Jaguar, César Pieri, contou um bocado sobre a criação do Project 7. Trata-se de um roadster brutal, com uma versão mais braba do 5.0 comprimido, capaz de entregar 575 cv e 69,3 kgfm de torque para ir aos 100 km/h em 3,9 segundos e chegar aos 300 km/h.
Purista, o modelo tem um porta capacete ao lado do banco do motorista no lugar do banco do passageiro e todas as salvaguardas, tais como controles de tração e de estabilidade, podem ser desligadas. O roadster com inspiração nas pistas surgiu de uma paixão pelo D-Type, mas foi concebido graças não apenas ao talento de César, como também pela sua esperteza.
Formado pela Unesp, pós-graduado em Havard e pela Universidade Politécnica de Milão e com longa carreira em mídia e design, o brasileiro apresentou o Project 7 meio que por acaso. Saiba mais sobre a carreira do designer de 36 anos nascido em Ribeirão Preto (SP) e atualmente radicado na Inglaterra. (MAIS UM AQUI DA TERRINHA)
Você passou por outras marcas como a Fiat, mas como foi o desafio de criar os modelos da marca chinesa Qorus?
Começou bem no comecinho de 2011. Quando cheguei lá, era eu e outros dois designers. Me refugiei no estúdio e me perguntei: cadê o resto? Era na Magna Steyer, em Graz, onde há um centro de design que a marca Qorus havia alugado. Quando nós chegamos, não havia nada, não havia carro. Nós literalmente começamos uma marca do zero, seria o primeiro carro chinês voltado para o mercado europeu. E ali a gente desenhou os três primeiros modelos da marca, as variações hatch, sedã e estate do compacto 3.
Jaguar F-Type Project 7 (Foto: Divulgação)Jaguar F-Type Project 7 (Foto: Divulgação)
Quais foram as referências que vocês privilegiaram?
Foi um desafio, uma coisa muito interessante. Você vai desenhar para a Jaguar, tem uma história, tem todo um passado em que você pode se basear. Modelos, detalhes de design, linhas características. Porém, quando você chega em uma marca que não tem nada, você tem que criar tudo isso. O que tentamos criar era uma marca que não teve a mesma abordagem dos outros chineses. A maioria dos chineses vem para chocar, tentam coisas que não tem nada a ver e que, depois de um tempo, envelhecem muito rápido e não tem consistência. Vão muito no que é trend no momento. Tentamos usar o clássico do design alemão, são linhas tensas, superfícies simples e limpas e usar muitas linhas horizontais para deixar esse carro com uma cara como quase se ele existisse há muito tempo no mercado. Ele não tinha intenção de ser revolucionário, não tinha como ser evolutivo. Era um modelo que tinha que entrar e se posicionar no mercado. Era uma pegada para fazer com o que o carro fosse bem recebido, ficasse mesclado aos outros modelos no mercado alemão.
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Jaguar F-Type Project 7
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Desenhar do zero foi um grande desafio?
O grande desafio era uma direção de design alemão e inglesa, poucas pessoas de outros lugares, depois de quatro ou cinco meses realmente cresceu. Se você quer uma coisa para chocar, está livre. Se quer fazer algo mais substancioso, você tem o desafio de não fazer a cópia de nada e que seja clássico. A pessoa tem que ver uma integridade no desenho e não cara de projeto de estudante que não levará a lugar algum.
De onde você pega a inspiração?
Quando você pensa no design italiano, você pensa em volumes, formas exageradas, músculos para toda a parte. O clássico design está evoluindo. A La Ferrari tem um jeito, o Lamborghini outro. É um design emotivo, de qualquer forma, o alemão é muito mais racional, tecnológico. É quase um desenho técnico de uma máquina. São linhas praticamente retas, super tensas, superfícies limpas. É quase clínico, como se fosse um iPhone, muito menos emotivo. É onde eu acho que a Jaguar tem o melhor dos dois mundos. Tem a emotividade das linhas suntuosas, muitos volumes, desde a época do C-Type, D-Type e E-Type, que eram carros que tinham uma fuselagem quase de avião, com músculos e sinuosidades, sem nenhuma linha muito definida. Porém, muito simples. Desde o começo da Jaguar a palavra chave é pureza, ser puro, o mais puro possível. Tudo que não é puro tem que sair. O design da Jaguar mistura o melhor da técnica, da clínica e da frieza do design alemão com a emotividade das linhas suntuosas italianas. O que nós tentamos é criar superfícies limpas, absolutamente puras. Com duas ou três linhas você tem que definir um Jaguar. Você pensa no F-Type tem uma linha que parte dos faróis e desaparece na porta. Tem uma outra linha, que são os músculos, os ombros na traseira, bem pronunciado, quase que um bicho querendo lhe pegar, pronto para sair. E a linha do capô. Você consegue definir o carro em três linhas básicas e tudo que sobra é resto. O Ian Callum vem fazer a revisão do design e muitas vezes ele vira para a gente e diz, “é muito. O quando podemos simplificar isso sem perder músculos, sem perder definição”.
Jaguar F-Type Project 7 (Foto: Divulgação)Jaguar F-Type Project 7 (Foto: Divulgação)
Você acha que todos os carros da Jaguar atingiram esse objetivo?
Considerando os carros que temos hoje, nós temos uma linha de produtos fantástica. O primeiro passo de um futuro que acho que será ainda melhor. Porém, acho que estamos em um momento muito especial. O F-Type é um dos carros mais bonitos e puros do mercado, com performance absolutamente de tirar o fôlego e um barulho fantástico. Ele tem a elegância, tem a finesse, porém ele é brutal. É isso que é fascinante. Nós tratamos a linha de sedãs como esportivos de luxo. Eles tem que ter prestação, tem que ter elegâncias, refinamento, porém tem que manter o desempenho.
Há algum carro e design que você mais admira?
Sou apaixonado pelo Alfa Romeo 33 Stradale (NR: superesportivo de 1967 desenhado por Franco Scaglione), como também sou apaixonado pelo Lamborghini Miura (NR: criação imortal de Marcello Gandini). Pensando em uma carreira e não apenas carros específicos, acho que seria o Giorgetto Giugiaro. A maioria dos grandes designers italianos estão mortos, mas a escola de design deles é mais legal. É mais inventiva e audaciosa, mais fresca que a alemã.
Você entrou para a Jaguar para o Project 7 ou para o F-Type?
Eu entrei para a Jaguar para o F-Type, eu entrei para o estúdio para fazer com que a tradução do conceito C-X16 fosse feita da melhor maneira possível. O F-Type é mais baixo e largo que o conceito, algo que não acontece. Ele tem mais pegada ainda, mais interessante, geralmente é o contrário. Eu fiz entrevista antes na Audi, na Ferrari, e na época foi chamado por todos. E neguei, porque sempre fui apaixonado pelo D-Type. Foi uma das coisas mais inteligentes que fiz, vamos dizer assim. Foi puramente por paixão e o Project 7 vem justamente por essa paixão pelo D-Type. Acordar as seis horas da manhã e ter que desenhar o F-Type ou qualquer coisa que vez depois disso.
É um trabalho diferente de desenhar um Qoorus, um Fiat Ducato ou o Panda. Você trabalha ao lado do engenheiro de aerodinâmica, para fazer a melhor performance possível. Trabalhando aerodinâmica, trabalhando superfícies, respeitando um monte de regras chatas que você tem que seguir, como o pedestrian impact (NR: para atropelamentos). Regras do mercado europeu, americano, sul-americanas, da China, primeiro você tem que fazer tudo isso convergir. Primeiro você joga tudo para o alto, desenha, desenha, filtra isso para conseguir fazer com que o produto final seja um F-Type, um XE, um carro diferenciado. Uma das coisas mais importantes da Jaguar é que os carros sejam dramáticos, eles tem que passar uma dramaticidade, tem que ser exóticos. Vindo para cá, observando o XF-RS azul (NR: em que parte do grupo da Jaguar veio para o almoço) foi impressionante ver o número de pessoas que faz “oh! ah!” é o virar de cabeças.
Como você criou o F-Type cupê com base do conversível?
Se você começa do conversível, é bem mais fácil. Começar do cupê e tirar a capota, é bem mais difícil. Não é um projeto só meu.
Historicamente, a companhia pegou muito do design aeronáutico. Esse ideal do Malcom Sayer, o inventor do XK120, ainda vive?
O design aeronáutico é inspiração para qualquer coisa. Um caça tem linhas tão suaves e aerodinâmicas. Quando você vê ele é todo recortado de perto, que faz aquele objeto que você olha e diz “uau”. Você olha um Spitfire ou qualquer jato normal, é uma fonte de inspiração com certeza. O interior do F-Type traz muita coisas dos caças.
Há algum avião que eles gostam mais?
Acho que o predileto é o Spitfire. O Wayne Burgess (NR: desenhista do F-Type) é viciado em aviação, particularmente pelo Spitfire. Na verdade, qualquer elemento técnico bem desenhado como um iPhone pode ser uma inspiração. Para color and trim (NR: cor e acabamento) a textura de um saleiro pode ser uma fonte. A Jaguar é muito sobre luxo, sobre sentidos e como o usuário interage com o carro. É muito voltado ao motorista. Claro que um XJ, a parte de trás é pensada quase como um santuário. Você tem que ter paz, que aquelas duas horas que você passará no congestionamento passarão como minutos. No caso do F-Type, ele é muito táctil. Os botões são inspirados em caças e elementos aeronáuticos, alguns vindos do E-Type, como os comandos por interruptores.
Como começou o projeto?
Um dia eu estava trabalhando no F-Type, em um pacote aerodinâmico para o conversível, mas eu tinha um artwork de um D-Type que fiz e coloquei na minha mesa. Estava desenhando com caneta mesmo, quando parei e pensei: se juntasse esses dois seria uma coisa louca. Porém, como todo projeto funciona, é decidido lá em cima. Tem um orçamento e encontros entre marketing, design, engenharia e até relações públicas. Filtra e fazemos algumas propostas. Quando pensei no Projet 7, fiz o desenho misturando os elementos e pensei: é só um desenho. Meti na minha gaveta de novo. E ficou assim por um bom tempo, uns quatro meses.
Jaguar F-Type Project 7 (Foto: Divulgação)Jaguar F-Type Project 7 (Foto: Divulgação)
Ele nasceu ali então?
Pois é, estava em uma sexta-feira sem fazer nada, peguei o projeto novamente e falei, vamos lá. Comecei a desenhar, fiz algumas propostas e cheguei a um desenho legal. Agora, tinha que dar um jeito de mostrar. Não seria fácil. Aí falei com meu gerente que perguntou: “o que é isso? Estamos atulhados de trabalho e você me vem com um negócio desses. Você quer nos matar, não vai mostrar isso para ninguém. Um dia, quem sabe”.
Como tenho a pior parte do brasileiro e do italiano, teimosia, persistência e aquele jeitinho, pensei Um dia tinha uma apresentação envolvendo toda a diretoria, design, marketing, o Ian Callum e pensei “se eu salvar o desenho em um folder da apresentação e passar despercebido?”. E foi exatamente o que aconteceu. Em um momento cliquei, o Projetc 7 apareceu e falei “ih, isso não deveria estar aqui”. E o Ian sabe disso. Aí acabou a reunião. Todos acharam legal, perguntaram de onde veio isso. O Ian Callum perguntou: “se eu te der duas semanas, o que você faz?”. Peguei esse tempo e mergulhei, no final de 2012.
Depois de duas semanas, em vez de mostrar apenas o desenho, quis mostrar mais. O que seria carregado do conversível, custo de projeto, tempo estimado de desenvolvimento, teríamos que levá-lo para Goodwood (NR: evento cult inglês que reúne esportivos de todas as épocas). Onde poderíamos levá-lo também, como o Salão Privé, Pebble Beach. Depois ele viajou o mundo inteiro, menos a Mille Miglia. Apresentei para o Ian, que voltou uma semana depois e disse: “consegui o budget, mas teremos que entregá-lo em Goodwood em 2014, uns quatro meses”.
Jaguar F-Type Project 7 (Foto: Divulgação)Jaguar F-Type Project 7 (Foto: Divulgação)
Foi o período mais intenso da minha carreira. O grupo incluía o Alister Whelan, que hoje é diretor de interiores da Jaguar, e um desenhista gerente para cuidar a produção. Quando o carro foi para Goodwood, ninguém sabia. O marketing e relações públicas ficaram sabendo só depois. É o primeiro carro da Jaguar que veio de baixo para cima. É a expressão pura de design, sem interferências de mercado. Em geral, são tantas influências que um pouco da essência se perde. E ter nascido de uma travessura foi mais legal. Assim que mostrei, todos abraçaram a ideia. Na Jaguar não tem muito ego.
O trabalho de equipe conquistou também a engenharia, que teve a chance de testar o que nunca testaram. Baixaram ainda mais o F-Type, colocaram o motor mais potente, vamos colocar um mapeamento mais agressivo, trocar as barras de suspensão dianteira e instalaram um escape ainda mais barulhento. O Mike Cross, piloto de testes e engenheiro chefe de integridade veicular, enlouqueceu. Ele queria dirigir o Project 7 em Goodwood. Nunca vi engenharia funcionando da mesma maneira do design. Quando ia em Gaydon, estavam todos os engenheiros. Nunca um desenho havia virado um carro na Jaguar. O resultado foi muito prazeroso. Em Goodwood, o feedback foi alucinante. Um carro que foi feito só para farra, ele foi feito para fazer a subida de montanha (hillclimb) de Goodwood. O F-Type uniu a Jaguar ao passado do E-Type, o Project 7 ao histórico da marca nas pistas. Foram sete vitórias nas 24 Horas de Le Mans, daí o sete do nome. Eu fiz o pacote inteiro, do capacete com a cor usada pelo Lewis Hamilton e, até mesmo, as pinturas das letras nos pneus.
Aí ele entrou em produção?
Nessa hora entrou a SVO (NR:Special Vehicles Operation, divisão de carros especiais do grupo Jaguar Land Rover). Nós temos um caso de negócios, vamos fazer? Fizemos uma pesquisa de mercado com colecionadores e jornalistas. Primeiro decidimos fazer 30, que depois viraram 50, 100, 150 até que paramos em 250 unidades. Todos vendidos em instantes. Nenhum para o Brasil. Eu espero que ele seja lembrado não apenas por ser exclusivo, e sim por ser especial. Espero que entre para a história da Jaguar. Cada um será um carro diferente, personalizado pelo dono. Os primeiros serão entregues em breve e até o final do ano deve terminar a produção. Em relação ao protótipo, o para-brisa é mais baixo. Era mais um defletor. O pacote aerodinâmico de para-choques também mudou, tal como o aerofólio traseiro mais baixo.