“O Cerato anterior era antiquado, eu diria quase jurássico”, disse
Ary Jorge Ribeiro, diretor de vendas da Kia, durante a apresentação da
nova geração do sedã importado da Coréia do Sul. Cerato anterior que,
talvez você não lembre, já foi vendido no Brasil. O desempenho modesto
do antigo sedã, porém, dá impressão de que estamos vendo a chegada de
um Kia inédito no país, e não de sua nova geração – e causa essa
estranha situação de ver a marca querer dissociar o três-volumes
“antiquado e jurássico” do atual.
Desembarcando no mercado nacional nas versões básica (R$ 49 900),
intermediária (R$ 52 900) e top (R$ 57 900), o Cerato traz motor 1.6
16V de 126 cv, grandes trunfos e dois problemas. As cartas na manga são
o design completamente reformulado, a qualidade de construção digna de
marcas japonesas e o preço baixo se levarmos em conta o nível de
equipamentos do modelo e o valor dos concorrentes diretos com pacotes
semelhantes. Os entreveros, porém, são igualmente proporcionais às
vantagens: a falta de um motor flex e a dificuldade de trazer ao país
grande lotes para atender à demanda e, num efeito cascata, colocar mais
unidades do Cerato nas ruas, aumentar sua popularidade, valor de
revenda e confiança do cliente na compra de um carro feito na Coréia do
Sul diante de rivais nacionais. É uma equação interessante e fica ainda
mais complexa quando os concorrentes entram na conta. Vejamos com calma.
Por R$ 49 900, o Cerato já sai da concessionária com
ar-condicionado, direção hidráulica, vidros, travas e retrovisores
elétricos, airbag duplo, CD player compatível com MP3 dotado de
entradas auxiliar e USB, comandos do som no volante, banco com
regulagem de altura, repetidores das setas nos retrovisores, rodas de
liga leve de 15”, coluna de direção regulável somente em altura,
computador de bordo e alarme na chave. A versão de R$ 52 900 acrescenta
a esse pacote freios ABS (antitravamento) com EBD (distribuição da
força de frenagem), ar-condicionado digital, faróis de neblina, rodas
de 16”, revestimento do câmbio e do volante de couro, detalhes de aço
escovado e interior com tons mais claros nas portas, painel e bancos. O
Cerato top de linha agrega o câmbio automático e custa R$ 57 900.
De acordo com a Kia, seu sedã foi feito mundialmente para
concorrer com o Honda Civic, mas aqui, além de roubar clientes do
tradicional modelo japonês, também baterá de frente com o City, lançado
em julho – e provavelmente será com o misto de Civic e Fit que o carro
coreano mais medirá forças. Na tabela da Honda, um City manual começa
em R$ 56 210 e traz ar-condicionado, direção eletricamente assistida,
trio elétrico, alarme na chave, banco com regulagem de altura, coluna
de direção ajustável em altura e profundidade, CD player compatível com
MP3 integrado ao painel com entradas auxiliar e USB e airbag duplo. O
câmbio automático custa R$ 3 800 e eleva o preço para R$ 60 010. Na
comparação, podemos concluir que você leva um Cerato top, com caixa de
marchas automática, ar digital, rodas de 16”, freios ABS, controles do
som no volante, repetidores de setas e faróis de neblina, entre outros
itens, por apenas R$ 1 690 a mais que o cobrado por um City manual de
entrada, que não traz nenhum desses equipamentos.
Além do City e do Civic, que parte de R$ 64 365, a Kia ainda
aponta como rivais do Cerato toda esta “tropa”: Fiat Linea LX 1.9 16V
(R$ 53 990), Ford Focus GLX 2.0 16V (R$ 57 855), Renault Mégane
Expression 1.6 16V (R$ 51 790), Peugeot 307 Presence 1.6 16V (R$ 52
500), Toyota Corolla XLi 1.8 16V (R$ 59 390), Volkswagen Polo
Comfortline 1.6 (R$ 51 365) e Bora 2.0 (R$ 53 990). Chevrolet Vectra
Expression 2.0 (R$ 54 098) e Nissan Sentra (R$ 55 290) ficaram de fora
do quadro comparativo (a Kia não explicou direito o por quê), mas
certamente também estão no hall de competidores.
Escola europeia aproxima Cerato dos japoneses “Rapaz, que bonito. É lançamento?”, perguntou um dono de Ford
EcoSport em Bertioga (SP) quando a caravana de Cerato que desceu a
serra no test-drive de lançamento parou para a troca de motorista. Por
mais que julgar o design de um modelo seja uma tarefa delicada e
subjetiva, os comentários são um bom parâmetro para ter noção da
aceitação de um carro novo. E na tarefa de torcer pescoços e fazer os
outros motoristas procurarem o logo da montadora, deixarem o Kia passar
à frente para ver a traseira e depois acelerarem de novo, o Cerato foi
mais eficiente que o esperado.
Se a Kia tem de agradecer a alguém por isso, sem dúvida essa
figura é Peter Schreyer, atual chefe de design dos coreanos que deixou
a Audi para levar suas pranchetas aos estúdios que desenvolveram
modelos com o próprio Cerato e o Soul. Uma rápida olhada no sedã revela
que Schreyer provavelmente dissecou as linhas de um Civic antes de
começar a conceber o novo Kia, mas isso não é um demérito. Ao vivo, o
Cerato é tão bem resolvido quanto sugerem as fotos. E com a vantagem de
ter um porta-malas de 415 litros, 75 a mais que os 340 do Civic.
Na hora de descer e subir a serra com os sedã, mais boas
surpresas. O giro na chave revela um carro silencioso, o toque no
câmbio traz uma alavanca curta e precisa e o início do rodar segue
agradável nos primeiros quilômetros de estrada em perfeitas condições.
Mesmo com três ocupantes e ar-condicionado ligado, a versão manual teve
um desempenho razoável em trechos de subida. A única exigência do motor
1.6 era manter mais de 3 000 rpm, já que o torque máximo, como é comum
em carros com pequena cilindrada e cabeçote de 16 válvulas, surgia
tarde (15,9 kgfm a 4 200 rpm, enquanto os 126 cv aparecem a 6 300
rpm). Com o câmbio automático de 4 marchas, porém, o Cerato não
consegue extrair tudo de seu motor, e aí a caixa de 5 marchas do City,
por exemplo, levaria vantagem mesmo com o motor menor do Honda (1.5 16V
de 116 cv com álcool). Segundo a marca, o Kia acelera de 0 a 100 km/h
em 12s0 na versão automática (os números do carro manual não foram
divulgados) e chega a 182 km/h.
Equilibrado, o Cerato serpenteou muito bem as curvas da rodovia
Mogi-Bertioga, castigada por uma chuva incessante, e demonstrou bons
acertos de suspensão (que também foi bem nos buracos) e direção (não
tão direta como a de um Civic, mas menos conservadora que a do City).
Se você gostou do que leu e quer checar de perto a possibilidade
de ter um Kia desses na garagem, é bom correr a uma das concessionárias
da marca, já que os estoques, por ora, ainda estão baixos. “Tivemos um
problema de greve na Coréia, mas isso estará regularizado a partir da
segunda quinzena de setembro”, promete José Luiz Gandini, presidente da
marca. Por isso, até o fim do ano a Kia pretende vender 3 000 Cerato,
média de 750 carros por mês. É pouco se compararmos novamente com o
City, cujas metas prevem 3 700 carros/mês nas ruas. “É difícil para uma
marca coreana, que paga 35% de importação, vender tanto assim. E também
existe o problema de gargalo de produção na fábrica da Coréia”, explica
Gandini.
Certamente a tarefa do Cerato – competir no “voraz” segmento de
sedãs médios – não é fácil. Para isso, porém, ele conta com as armas do
custo/benefício, do novo design e, por que não?, de uma certa
exclusividade, mas peca pela falta do flex (que a marca promete para
2010) e pelo pouco volume. Essas ausências, porém, são mais atributos
de mercado que do produto em si. Como carro, o Cerato cumpriu a
promessa do slogan da Kia, marca que se vende com a frase “O Poder de
Supreender”. Boa supresa.
Fonte: CarroOnline